Fronteira é espaço limítrofe. Na geografia, refere-se à zona que divide territórios marcando o final de um e o início de outro. Na literatura, no entanto, sobretudo nos espaços poéticos contemporâneos, falar de fronteira é pensar no avesso do confim. Indômita, a geografia da literatura não delimita territórios, mas propõe atravessamentos, rupturas, transgressões. A arte literária é, por definição, avessa aos limites; melhor seria tratá-la como ponte em direção à terceira margem, para usar a metáfora precisa de Guimarães Rosa.

O desejo do encontro nessa mítica terceira margem do rio é o que parece impulsionar escritores, ilustradores, editores, mediadores e leitores contemporâneos, os quais se mostram comprometidos com a suspensão de limites. Não raro vemos nas produções literária e editorial do presente uma atitude deliberada de transgressão que, provocativa, embaralha antigas certezas, trocando de lugar o que parecia imutável no mundo das artes.

Nesta ocasião, celebramos as travessias literárias selecionando dez livros ilustrados para crianças e jovens, escritos por autores mais conhecidos por sua produção dedicada ao público adulto. O direcionamento a jovens leitores – em alguns casos definido pelos próprios escritores e em outros proposto por ilustradores e editores – não implica a exclusão de adultos, mas a expansão de seu leitorado, tornando as obras acessíveis a um público diverso. Subvertendo a associação geográfica entre fronteira e demarcação, os livros apresentados nesta mostra extrapolam dicotomias há muito cristalizadas na nossa cultura, como as distinções entre infantil e adulto, palavras e imagens, clássico e contemporâneo. “Sobre dádivas e pontes” é um convite à apreciação e à defesa de espaços poéticos fronteiriços. É também uma homenagem àqueles que tornam possível atravessar as pontes que separam distintas expressões estéticas, culturas, gerações, autorias e subjetividades para ir ao encontro das dádivas que nos oferecem os livros, a leitura e a literatura.

Curadoria: Jéssica Tolentino